Justiça extingue sete milhões de cobranças tributárias de baixo valor em todo o país

O Judiciário conseguiu extinguir neste ano, até o fim de novembro, sete milhões de execuções fiscais. São processos de baixo valor, de até R$ 10 mil, e que estavam parados há mais de ano. A iniciativa foi capitaneada pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e fez reduzir para 75,02% a taxa de congestionamento – pela primeira vez, na série histórica, abaixo de 80%. Em janeiro, estava em 87, 32%. O percentual, porém, ainda é alto e significa que apenas três em cada dez execuções fiscais foram resolvidas no período. Há anos, esses processos são o maior gargalo do Judiciário e, por isso, o CNJ decidiu baixar uma resolução para tentar resolver o problema. A meta do ministro Barroso é de extinguir, até o fim da gestão, em setembro de 2025, pelo menos 10 milhões de ações. Mas alguns municípios têm sido contra a política. Esses processos – por meio dos quais são cobrados créditos tributários da União, Estados e municípios – representam quase um terço das 80 milhões ações em trâmite no país, e viraram sinônimo de ineficiência pela baixa recuperabilidade. São cerca de R$ 4 trilhões em disputas nos tribunais federais e estaduais. De acordo com notas técnicas do CNJ e do Núcleo de Processos Estruturais e Complexos (Nupec) do STF, as execuções fiscais recuperam, em média, 2% do crédito público. Já os protestos, que são registros em cartório que dão publicidade à falta de pagamento de uma dívida, podem recuperar até 20%. Essa diferença tem feito os entes federativos repensarem as formas de cobrança, levando em conta as balizas fixadas em um julgamento do STF. Por maioria, os ministros entenderam, em dezembro de 2023, que não vale a pena fazer a cobrança de determinados créditos, diante do custo que representa para a administração pública – que é, em média, de R$ 10 mil. Seguindo o voto da ministra Cármen Lúcia, sustentaram que não é razoável sobrecarregar o Judiciário com essas ações, pois muitos dos créditos podem ser cobrados por medidas extrajudiciais, como via protesto e câmaras de conciliação (RE 1355208 ou Tema 1184). Depois do julgamento, veio a Resolução nº 547/2024, do CNJ, que regulamentou o tema e fixou parâmetros mais objetivos. Autorizou os juízes a extinguirem ações até R$ 10 mil sem andamento por um ano e sem a citação do devedor ou bens penhoráveis. A partir daí, o CNJ tem conversado com tribunais para adequar a tese a cada localidade. O primeiro passo é a assinatura de acordos de cooperação técnica para, depois, se criar um plano de trabalho personalizado e extinguir ações em lotes. A maioria delas é de municípios e, principalmente, de IPTU. Algumas são da década de 1970 e sem CPF, CNPJ ou endereço cadastrado do devedor. “O fato de o crédito estar ajuizado não significa êxito, ao contrário, existem formas mais exitosas do que buscar aquela recuperação”, diz a juíza Keity Saboya, auxiliar da presidência do CNJ. Para Keity, as ações de cobrança devem ser ajuizadas após esgotadas todas as outras vias. “Senão só faz transferir a responsabilidade para o Judiciário ou trabalhar com perspectivas não reais”, afirma. As extinções via acordos e em bloco promovem consenso, o que evita litigiosidade, acrescenta. E já trazem frutos, segundo a juíza. “A redução da taxa de congestionamento judicial é inédita. Mas temos ainda muito a fazer, embora os números mostrem que as escolhas do ministro Barroso, especialmente esses atos de colaboração, foram absolutamente acertados.” Tudo faz parte de uma mudança na cultura de cobrança e convencimento dos Estados e municípios, diz a magistrada. “Os procuradores se sentem em um terreno de insegurança e quase sempre pedem para os tribunais de contas serem chamados para a mesa de negociação”, afirma ela, destacando que a expectativa é que mais tribunais adotem a política, pois existe recomendação da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon). O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem sido o grande laboratório, até porque é onde está quase metade das 22 milhões de execuções fiscais do Brasil. No Estado, já foram extintos 4 milhões de processos – quase 500 mil ainda físicos – entre janeiro e meados de dezembro. Esse número foi reduzido de um estoque inicial de 12,8 milhões de casos, dos quais 8 milhões têm valor até R$ 10 mil – essa, inclusive, é a meta interna do tribunal. Agora, pela primeira vez na história, pouco mais da metade das ações em trâmite não são execuções fiscais e sim casos de outra natureza. Segundo a juíza Paula Navarro, assessora da presidência do TJSP, a cobrança do crédito público sempre foi feita por meio das execuções. “Sempre foi entendido como algo que se o administrador público, o governador ou o prefeito, não fizesse, poderia ser acusado de praticar improbidade ou de não fazer uma gestão adequada da dívida pública”, diz. Mas ao longo dos anos, acrescenta, “acabou fazendo com que se tornasse o maior gargalo da Justiça”. A vara de execução fiscal da capital, que abarca apenas a Prefeitura de São Paulo, afirma a juíza, chegou a ter dois milhões de execuções. E a taxa de congestionamento interno era de 92,64% no início do ano – reduzida para 75,81%. “Agora, é possível realmente trabalhar com chance de cobrança do crédito”, diz Paula. A ideia, de acordo com a juíza, é que a Fazenda tente cobrar por outros meios e ajuíze apenas o necessário. “Senão a gente fica com um número impraticável de processos, não consegue dar o andamento adequado e a sociedade paga caro por isso, porque o crédito tributário é aquilo que vai pagar o asfalto da rua, a escola pública e o hospital”, afirma. Os processos têm sido arquivados por meio de listas, de acordo com a região administrativa e critérios fixados pelo CNJ. O tribunal, a partir de uma comissão de oito juízes, agrupa as ações elegíveis para extinção pelo banco de dados e envia a seleção para as prefeituras, que podem ou não concordar com o arquivamento. As que o município concorda são extintas automaticamente. Para a baixa, deve haver protesto ou inscrição na dívida ativa e os casos devem estar sem movimentação há um ano, sem bens penhoráveis. Nos processos mantidos, o TJSP faz as diligências para encontrar o devedor e tentar bloquear valores em conta bancária via Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud). Até então, 151 dos 645 municípios do Estado de São Paulo aderiram ao acordo de cooperação técnica firmado entre o TJSP e CNJ. Em alguns municípios, como em Guarulhos, houve aumento de arrecadação. Keity Saboya lembra que, por meio da resolução do CNJ, não foi fixado piso mínimo para as execuções fiscais. Varia de acordo com o município ou Estado. Em Crato, no Ceará, é de R$ 250. Já em Salvador, na Bahia, é de R$ 2,5 mil. Goiás foi bem além. Editou portaria e deixará de levar ao Judiciário dívidas tributárias iguais ou inferiores a R$ 500 mil.

Fonte: Valor Econômico

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