O condomínio pode proibir animais de estimação?
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que convenções de condomínios residenciais não podem proibir moradores de criar animais em apartamentos ou casas
Esta é uma pergunta feita quase que diariamente nos condomínios do Brasil e do mundo. Especialmente durante a pandemia, um dos negócios que mais cresceu, foi o PETSHOP, e paralelo a isso muitas pessoas optaram por comprar um bicho de estimação, ou mesmo adotar um animal de companhia, o que justifica o crescimento da área dos PETS ou bichos de estimação.
De acordo com o Instituto Pet Brasil em parceria com o IBGE, o Brasil possuía, em 2018, 139,3 milhões de animais de estimação, sendo os cães (54,2 milhões) e as aves (39,8 milhões) os mais comuns nos lares brasileiros, seguidos de gatos, peixes, répteis e pequenos mamíferos. O aumento no número de casas com animais de estimação revela, aos institutos de pesquisa, que cada dia mais e mais pessoas buscam um animal de estimação para fazer-lhes companhia, passando, assim, a serem tratados como verdadeiros membros da família, aos quais se dispensam não apenas afeto e atenção, mas, também, cuidados com a alimentação, saúde e higiene.
Economicamente falando, o mercado de pets é um dos mais rentáveis do mundo. Existem segmentos para pets de todas as formas, hospitais, creches, escolinhas, lojas direcionadas, alimentos dos mais diversos. Em suma, é uma realidade social inegável, é impossível ignorá-la. E como todo assunto latente em uma sociedade, carece de legislação. A realidade sobre os pets no Brasil passa por tempos de normatização legislativa.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA?
Extrapolando, muitas vezes, o Direito que lhes é conferido pelo Código Civil e pela lei 4.591/64, as Convenções Condominiais, em especial as mais antigas, não raro, vedam, genérica e completamente, sem nenhuma justificativa, o Direito do condômino ou morador possuir, dentro da sua unidade privativa, qualquer animal de estimação.
Os direitos dos animais estão inseridos na matéria do Meio Ambiente, insculpida no Capítulo VI da Constituição Federal de 1988, art. 225, § 1º, o qual delega ao poder público e a coletividade a defesa dos animais, impondo à sociedade e ao Estado o dever de respeitar a vida, a liberdade corporal e a integridade física desses seres. Nosso Código Civil ainda trata os animais como coisas, estando contidos no livro do Direito das Coisas.
A legislação brasileira, especialmente o Código Civil e a lei 4.591/64, é omissa sobre o assunto, limitando-se os textos legislativos a instituir um conjunto mínimo de Direitos e deveres a serem obedecidos pelos Condôminos e moradores, deixando à cargo dos primeiros a aprovação de outras normas que entenderem justas, necessárias e adequadas (caput do art. 1.334 do CC/02 e § 3º, art. 9º da lei 4.591/64).
DECISÃO DO STJ
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que convenções de condomínios residenciais não podem proibir moradores de criar animais em apartamentos ou casas. Pelo entendimento da Turma, a proibição só se justifica se o animal representar risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego dos demais moradores do condomínio.
A Corte julgou um recurso de uma moradora do Distrito Federal contra as regras de seu condomínio, que a impediu de criar um animal no imóvel. Na primeira instância, apesar de alegar que o animal não trazia transtornos aos vizinhos e nas áreas comuns do edifício, o Tribunal de Justiça entendeu que as regras previstas na convenção devem prevalecer.
A decisão reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e (TJDF) que havia entendido que as normas previstas na convenção e no regimento interno do condomínio incidem sobre todos os moradores, sendo que a proibição expressa da permanência de animais nas unidades autônomas se sobrepõe à vontade individual de cada condômino.
Ao julgar o caso, o colegiado, por unanimidade, entendeu que as regras internas de condomínios não podem vedar a permanência de animais de qualquer espécie sem avaliar cada caso específico.
No recurso especial, sustentou que a decisão do TJDF violou seu direito de propriedade, divergindo, inclusive, do entendimento externado por outros tribunais quando julgaram idêntica questão.
Alegou, ainda, ser descabida a proibição genérica de criação de animais, pois a vedação só se justifica nos casos em que for necessária para a preservação da saúde, da segurança e do sossego dos moradores.
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a convenção condominial, conforme previsto nos artigos 1.332, 1.333 e 1.344 do Código Civil de 2002, representa o exercício da autonomia privada, regulando, em um rol exemplificativo, as relações entre os condôminos, a forma de administração, a competência das assembleias e outros aspectos, com vistas a manter a convivência harmônica.
Entretanto, o relator ressaltou que as limitações previstas nas convenções são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário sob o aspecto da legalidade e da necessidade do respeito à função social da propriedade, de acordo com o artigo 5º, XXII, da Constituição Federal.
O magistrado também apontou a previsão do artigo 19 da Lei 4.591/1964, de acordo com o qual o condômino tem o direito de “usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos”.
Segundo o relator, para determinar se a convenção condominial extrapolou os limites da propriedade privada, é importante observar três situações que podem surgir.
A primeira, é o caso da convenção que não regula o tema. Nessa situação, o condômino pode criar animais em sua unidade autônoma, desde que não viole os deveres previstos nos artigos 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da Lei 4.591/1964.
A segunda hipótese é a da convenção que proíbe a permanência de animais causadores de incômodos aos moradores, o que não apresenta nenhuma ilegalidade.
Por último, há a situação da convenção que veda a permanência de animais de qualquer espécie – circunstância que o ministro considera desarrazoada, visto que certos animais não trazem risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.
O colegiado, por unanimidade, seguiu o voto do relator e deu provimento ao recurso especial da autora, destacando que a procedência de seu pedido não a exonera de preservar a incolumidade dos demais moradores do local, de manter as condições de salubridade do ambiente e de impedir quaisquer atos de perturbação.
CONCLUSÃO
Dessa forma, entende o STJ que, nesses casos, a proibição possui contornos de abusividade, mostrando-se uma conduta desproporcional e, em certo modo, descabida, uma vez que a vedação somente encontra respaldo na preservação da segurança, higiene, saúde e sossego. Inexistente quaisquer desses “fatores”, a proibição deve ser revista e afastada.
Ademais, lembra ainda a Corte, que nem todo animal apresenta risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e frequentadores do Condomínio, como nas hipóteses de animais de pequeno porte, inofensivos e com cuidados adequados.
Sendo assim, por entendimento do STJ, está claro que o condomínio não pode proibir animais de estimação no local, contudo pode restringir a permanência de animais que trazem comprovadamente risco à integridade física e à tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do condomínio.
Fonte: STJ, Migalhas